Na obra «História de uma conversão. A Quaresma com Santo Agostinho», o sacerdote polaco Waldemar Turek pega no famoso livro das Confissões de Santo Agostinho (354-430) e apresenta, por breves mas preciosos capítulos, um itinerário quaresmal que se recomenda às almas que anseiam descobrir um caminho espiritual para se salvarem e se alegrarem em Deus, após terem descoberto quem é o homem, o pecado e a graça, o mundo e a eternidade. «Quem é Deus? - interroga-se Santo Agostinho – Perguntei-o à terra e disse-me: “Eu não sou.”» (Conf. X,6)
Agostinho, bispo de Hipona, autor das Confissões, é considerado «o maior santo entre os Doutores e o maior Doutor entre os Santos» (Pe. António Vieira). Por seu lado, as Confissões são um livro impregnado de fé, de fervor religioso, de metafísica, de deleite espiritual, de humanismo, de sentimento, capaz de levar às alturas e ao mesmo tempo até às lágrimas, o coração mais empedrado. Considere-se que desde Vieira (séc. xvii) foi o livro que maior influência teve na cultura portuguesa e do qual os existencialistas do séc. xx se fizeram os maiores devedores. Sendo hoje em dia este precioso livro, infelizmente, muito pouco conhecido (porque na era da informática popularizada cada vez menos se leem os clássicos), surge nesta edição uma série de meditações que o tomam como base com o fim de se passar uma Quaresma proveitosa e pedagógica em vista de uma conversão sincera. Todos estes textos passaram na Rádio Vaticana, dia-a-dia, durante a Quaresma de 2010.
Com a brevidade que se impõe, fornecemos um recorte do texto correspondente ao sábado da iii semana, em que Agostinho ora a Deus pela mãe: [«Perdoa-lhes os seus pecados» (Conf. IX, 13, 35)]: «“Mas o senhor ora por eles?”, perguntou uma vez São João Vianney a um dos seus confrades sacerdotes, que se lamentava de os seus paroquianos não serem muito dados a ajudá-lo. Nós oramos pelas pessoas que estão ao nosso cuidado espiritual; contudo, muitas vezes, fazemo-lo sem convicção. Às vezes, também temos dúvidas sobre a eficácia das orações e dos sacrifícios oferecidos pelas pessoas que não creem ou são indiferentes quanto à religião e a Deus. Trata-se da nossa atitude diante da oração de intercessão, isto é, da oração pelos outros, vivos ou mortos. [...] Nas Confissões encontramos muitos exemplos de orações de intercessão. Uma de muitas: “Por isso, Deus do meu coração, minha glória e minha vida, esqueço um momento as boas ações da minha mãe, pelas quais alegremente Vos dou graças, para Vos pedir perdão de seus pecados. Ouvi-me, em nome d'Aquele que é a Medicina das nossas chagas, que foi suspenso do madeiro da cruz e, sentado à vossa direita, intercede por nós. Sei que ela praticou a misericórdia e que perdoou de coração as faltas contra ela cometidas; perdoai-lhe também as suas dívidas, se algumas contraiu em tantos anos que se seguiram ao batismo. Perdoai-lhe, Senhor, perdoai-lhe, eu Vo-lo suplico e não entreis com ela em juízo.”»
Agostinho percorreu um caminho espiritual longo, complexo e cheio de muitas dificuldades. Com o passar dos anos, compreendeu cada vez mais quanto devia à oração de intercessão da sua mãe. Por isso, queria compensá-la. A história do nosso caminho espiritual também é semelhante. Embora digamos que Deus faz tudo, na prática comportamo-nos como se tudo dependesse de nós. Tomamos conta de várias empresas, cuidamos de muitas coisas, experimentamos diversas possibilidades, corremos, segundo o hábito do homem moderno. Em determinada altura, apercebemo-nos de que esta dependência do trabalho não dá os frutos que esperávamos, não dá a plenitude da verdadeira felicidade; então, começamos a dar lugar a Deus. Amadureçamos espiritualmente e oremos ainda mais igualmente pelos outros, para que se abram também eles à graça de Deus e Lhe permitam que Ele mude a sua vida. É assim que cresce em nós o desejo da oração de intercessão em que confiamos ao Deus misericordioso os vivos e os mortos. No período do Quaresma, dirijamo-nos a Deus com mais fervor, e por intercessão de Santo Agostinho e de Santa Mónica, oremos pelos nossos irmãos. Graças à oração, abramo-nos a Deus que é misericórdia (p. 67-68). «O fruto das minhas Confissões é ver, não o que fui, mas o que sou.» E: «Que amo eu, quando Vos amo?» (Conf. X, 4 e 6)